Há dias excelentes, memoráveis. Há também os menos bons. Os marcantes. Os decisivos. Este espaço é, apenas, um conjunto de desabafos fruto dos dias que vou percorrendo e da minha (in)sanidade mental. E, tal como eu... tem dias!

Quarta-feira, 29 de Fevereiro, 2012

Coisas surreais que sucedem em velórios e funerais e que eu não tinha noção... até ontem e hoje.

 

Há pessoas que estão à espera que sejas tu a confortá-las. Mesmo sendo tu a única filha. Tu és o alvo fácil. Estás ali. Aquele é o momento que essas pessoas têm de brilhar. E elas é que eram especiais.

[Claro que existem as pessoas normais. Que até se comovem e consolamo-nos mutuamente.]

 

Há as que chegam e enquanto te apertam o braço como se a vida delas disso dependesse interrogam-te? «Mas, tu não te lembras de mim? Não te lembras?». Eu, depois de dar algumas voltas ao neurónio que está completamente desorientado, consigo responder que lamento, mas não. A pessoa, sempre sem largar o braço, provavelmente até me fez uma nódoa negra, insiste «Não te lembras quando íamos andar de metro?». Creio que até este momento essa pessoa ainda não se convenceu que eu não a reconheci. Mais tarde percebi quem era. Passaram-se qualquer coisa como uns singelos 29 anos (eu deveria ter perto dos 7 anos). Como será possível que eu não me recordasse? Não se percebe!

 

Depois existem pessoas que te telefonam e perguntam: «mas ela sofreu muito? desculpa estar a perguntar-te isto, tu és a filha dela. Mas eu gostava de saber. Ela sofreu muito?». Vamos lá recapitular... há quase 5 anos que o maldito do cancro não a deixava. A qualidade de vida foi-se degradando a vários níveis. Passou por umas 6 cirurgias. Vários internamentos. Muitos sustos. Quimioterapia (daquelas em que cai tudo). Radioterapia. Mais quimioterapia. Deixou de conseguir andar. Há uns meses que estava acamada.

Se sofreu muito? Só me apetecia dizer "olhe, essa pergunta é demasiado ofensiva para eu lhe responder. Porque, ou esteve a dormir nos últimos tempos - como algumas pessoas bem chegadas tiveram - ou não é deste mundo, ou não bate bem da bola. Seja qual for a sua resposta às alternativas... não se me assiste nenhuma resposta à altura."

Consegui conter-me. Em vez de lhe dizer o que merecia, limitei-me a desconversar. E já teve muita sorte.

 

Há também os que chegam e dizem, após os típicos "os meus sentimentos" ou "os meus pêsames", "eu ainda ontem saí do hospital". Como que a dizer "eu estou aqui, olhem para mim" - tipo burro no menu do shrek (escolhe-me a mim, escolhe-me a mim) estão a ver?

 

E não esquecer os que insistem em contar todos os detalhes do anterior velório / funeral a que foram. Do melhor.

 

Tivemos também uma personagem que chega e diz "não se lembra de mim? Eu fui aquele que na altura sugeri que frequentasse aquele curso" - a propósito de uma conversa ao jantar com o meu pai há uns 12 anos atrás.

 

Volta na volta, lá vinha alguém "mas, ela sofreu muito?" ou "mas ela piorou muito, foi?".

 

Também houve uma pessoa que depois de falar um bocadinho comigo, absolutamente normal, afinal não nos víamos há uns 8/9 anos, passado um pouco veio despedir-se e informa-me que agora faz reiki e se me pode dar um cartão. Estende-me um cartão de visita. Pois, é sempre bom fazer contactos profissionais em todo lado, incluindo funerais. Compreendo. Mas, será que a pessoa se lembrou que estava ali por um motivo e que eu sou nada mais, nada menos, do que a filha? Que faça muitos contactos, mas não comigo.

 

E as mensagens sms? Há de tudo como na farmácia. E também aquelas em que as pessoas achariam normal eu saber de quem se trata, porque não assinam. Mas, eu é que devo ter muito mau feitio em ter tirado a pessoa da minha lista telefónica.

Tenho oito mensagens de voz para ouvir no meu voicemail. Algumas ainda são dos meus anos - como, na altura, devolvi a chamada, sem ouvir a gravação, a mensagem foi devidamente recebida - outras imagino que sejam relacionadas com estes dois dias.

 

O que vale é que, felizmente, a grande maioria das pessoas é "normal" e mesmo estando, também, a sofrer, ainda consegue tentar confortar-nos. Nem que seja com um singelo "olha, não sei muito bem o que dizer". Ou "nem imagino o que estás a passar, mas se precisares de alguma coisa avisa". Mesmo amigos que não via ou falava há anos. Essa parte sabe bem.

Perdi a conta ao número de vezes que agradeci. Foi uma enchente ontem e hoje que quis prestar uma última homenagem a essa mulher fantástica que eu tive o privilégio de conhecer e de ter como (minha) mãe.

 

Mas, compreendo, agora, que existam alguns sketches sobre esta temática. Surreal é a melhor palavra que me ocorre para descrever algumas situações que testemunhei.

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publicado por K às 20:27

Sim, as coisas que acontecem em funerais, são mesmo surreais, lembro-me ainda bastante bem quando foi o da minha avó e do irmão da minha mãe e no da minha avó fiquei como persona non grata, pois respondi ainda a 2 ou 3 pessoas, por comentários. Enfim, entende-se que as pessoas não saibam o que dizer, mas às vezes dá vontade mesmo de mandar a malta à fava.
Mas, temos que gramar a pastilha, para variar.

PS - o post da tua mammy já estava aqui de lágrimas e sim aqui aonde não se é suposto estar a ler isto.
Mais uma vez um beijo mta grande K!
Maria a 1 de Março de 2012 às 10:23

Eu nem queria acreditar. Houve ali momentos em que pensei que teria ouvido mal. E aquelas pessoas que insistiam dar-te "uma grande seca" fosse do que fosse? Haja paciência!

'Bigada pela força. E... força também para ti, boa?
beijo!
K a 1 de Março de 2012 às 20:36


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